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O Direito à Saúde na legislação brasileira


O Direito à Saúde tem adquirido cada vez mais relevância, em especial após a pandemia de COVID19. É vinculado ao próprio Direito à Vida e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, à medida que é condição para a garantia destes.


É importante esclarecer que nem sempre a saúde foi reconhecida como um direito fundamental, inerente a todo ser humano. De fato, tal posição ocorreu apenas com a criação da OMS (Organização Mundial da Saúde), em 1946[1], quando a entidade conceituou saúde como “... um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”[2]. Além disso, posteriormente, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos também trouxe em seu art. 25 a saúde como direito de todo ser humano.


Observe-se que nestes casos já há um conceito de saúde mais amplo que apenas a ausência de doença, mas que contempla o bem-estar do ser humano em sua totalidade e integralidade, ou seja, considerando fatores sociais, culturais, econômicos, ambientais, e o conjunto de direitos que podem levar o ser humano ao “bem-estar” integral.


Especificamente no Brasil a Constituição Federal de 1988 foi o marco para consagração dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana como princípio norteador de toda legislação e, no caminho da Declaração Universal dos Direitos Humanos, trouxe o Direito à Saúde como direito fundamental, estando previsto no art. 6º, o rol dos direitos sociais. Além disso, o art. 196 e seguintes preveem que a saúde é direito de todos e dever do Estado, de acesso universal e igualitário.


Ressalte-se que anteriormente à Constituição, a saúde pública no Brasil era restrita aos trabalhadores formais, ou seja, os que tinham “carteira assinada”. Havia, dessa forma, uma desigualdade no acesso, já que o financiamento era realizado por toda população, mas apenas uma parcela tinha acesso.


Nesse cenário havia grande pressão popular para criação de um sistema que atendesse a toda população, além do movimento sanitarista, formado principalmente por profissionais da saúde e ativistas da área, e que vinha se articulando desde a década de 70.


Toda essa luta e pressão culminou na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que lançou as diretrizes para a criação de um sistema único e descentralizado. Essa conferência foi a primeira que teve participação popular, fruto das mobilizações e manifestações de rua. Antes os debates eram restringidos a políticos e autoridades.


Assim, com a promulgação da Constituição e, posteriormente regulamentado o SUS pela lei nº 8080/1990, a saúde passou a ser dever do Estado, ou seja, a partir de então o Estado deve providenciar políticas públicas a fim de garantir que qualquer pessoa possa ter garantido esse direito, sem qualquer discriminação. Além disso, o Estado deve garantir o atendimento integral, não apenas o processo de cura, mas a assistência em todos os níveis de atenção, prevenção, tratamento e reabilitação.


Ressalte-se que a Constituição prevê um sistema misto de saúde, composto pela saúde pública, saúde complementar (atuação de particulares no SUS, como associações ou empresas ) e saúde suplementar, que são os serviços privados de saúde e os convênios médicos, estes regulados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), e pela lei nº 9656/1998. Portanto, também no âmbito da saúde privada há normas e regras a serem cumpridas pelas empresas.


Dessa forma, observa-se que a legislação brasileira elevou o Direito à Saúde a direito fundamental, posto que vinculado diretamente ao próprio direito a uma vida digna, criando um sistema que garante tanto o atendimento público universal e gratuito à população, uma grande conquista que é o SUS, como o atendimento privado àqueles que podem pagar, devidamente regulamentado a fim de evitar-se excessos e abusividades quando está em jogo questão tão cara à sobrevivência humana digna.


Contudo, esse é o panorama ideal, na prática há muita luta a se travar ainda para que o Direito à Saúde nos moldes constitucionais seja garantido, com o funcionamento pleno do SUS, bem como com a cessação das ilegalidades e abusividades não poucas vezes cometidas por planos de saúde.


Nessa situação, quando o Estado falha nessa prestação de serviço ou quando o plano de saúde descumpre as normas às quais está obrigado, há então a necessidade de se buscar o Poder Judiciário para que o Direito à Saúde não seja apenas uma letra bonita sobre o papel, ou só um discurso avançado de proteção à vida e dignidade, mas que seja efetivo e real na vida de cada um.


 

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. MOCCIA, Maria Hermínia Penteado Pacheco e Silva. O significado jurídico de saúde como direito de todos e dever do Estado. Revista do Advogado. São Paulo. Nº 146. Págs. 19-33. Junho, 2020.








[1] GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. MOCCIA, Maria Hermínia Penteado Pacheco e Silva. O significado jurídico de saúde como direito de todos e dever do Estado. Revista do Advogado. São Paulo. Nº 146. Pág. 20. Junho, 2020.


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